terça-feira, 24 de outubro de 2017

Cultura e Concepção do Self

Índice

1. Introdução

A cultura é um conjunto complexo que compreende os conhecimentos, as crenças, a arte, o direito, a moral, os costumes, hábitos e todas as outras aptidões a que o homem enquanto membro de uma sociedade, adquire, para além de estas fazerem parte das características de uma determinada sociedade, e os indivíduos inseridos nesta sociedade apresentam uma visão de si mesmo como indivíduos, e esta concepção que o indivíduo tem de si mesmo é construída na interacção com os outros. Neste trabalho apresentar-se-á a influência que as culturas individualistas e colectivistas exercem na concepção do self. Nesta perspectiva primeiramente definir-se-á alguns conceitos em relação a “cultura” e o “self” propostos por alguns teóricos; nesta ordem de ideias pretende-se abordar os dois tipos de self propostos por Markus e Kitayama (1991) a importância de um grupo para o sentido de self e algumas das consequências cognitivas que estes tipos de self sugerem aos indivíduos face os seus contextos sócio-culturais.
Para efeitos, o trabalho tem por objectivo contribuir para a ampliação da compreensão da “concepção do Self” levando em conta o factor “cultura” e a sua influência através das diferentes interpretações e significações que esta faz das experiencias vividas pelos indivíduos durante a sua interacção com o outro e com o meio social. Este texto foi construído com bases na revisão de fontes bibliográfica que documentam e dissertam aspectos relevantes em relação ao tema.

Objectivo geral

Compreender de forma ampla a questão da cultura e concepção do self
Objectivos específicos
Definir os conceitos de cultura e de self
Identificar a relação entre cultura e concepção de self
Ilustrar a importância de um grupo para o sentido do self
Descrever as consequências envolvidas na concepção do self


2. Conceitos de cultura
No séc. XIX, o antropólogo inglês Edward B. Taylor definiu cultura como sendo um complexo que inclui conhecimentos, as crenças, a arte, a moral, a lei, os costumes e todos os hábitos e capacidades adquiridos pelo homem como membro da sociedade (Laraia, 2000. p 17). Do ponto de vista do grupo, entendeu cultura, como sendo conjunto de costumes e tradições composto por elementos materiais e não materiais dotados de suas peculiaridades e que caracterizam o modo de vida de um povo, alias, a maneira de viver de um povo.
Para Geertz (1973) citado em Neto (2002, p.14) “o termo Cultural designa um padrão de significações transmitidas historicamente e veiculado por símbolos, um sistema de representações herdado das gerações precedentes e expresso sob formas simbólicas por meio das quais os homens comunicam, perpetuam e desenvolvem os seus conhecimentos e as suas atitudes para com a vida.”
Titiev (1969), considera o termo cultura como tendo dois sentidos, referindo-se aos aspectos não biológico da humanidade no seu conjunto, ou à forma de vida de um determinado grupo de homens e mulheres, em qualquer caso, sendo usado para descrever a série completa de instrumentos não geneticamente adquiridos.

2.1 Conceito de self



De acordo William James (1890) citado em Neto (1998, p.143) Self é “o conjunto de pensamentos e sentimentos que temos acerca de nós mesmos.” É uma visão não necessariamente objectiva do que somos, porem um reflexo de nós próprios na maneira como nos percepcionamos. O self é visto como um conjunto de ideias, percepções e valores que caracterizam o eu, é uma construção social que se desenvolve a partir da comparação de nós em relação aos outros ou grupos coletivos.
Para Alvin & Ribeiro (2005), o self como sistema de contactos que varia com as necessidades orgânicas dominantes e os estímulos ambientais prementes, é uma síntese daquilo em que nos tornamos ao longo da vida, pois o self é construído e reconstruído de acordo o processo de existência.
O self como uma identidade do eu, é a nossa auto-imagem, é aquilo que sentimos quando dizemos: eu sinto; eu penso; o sentido das coisas de nos mesmos emana dele. É o retracto que fazemos de nos mesmos.

2.2. Características do self



  • Único, integrado e dinâmico;
  • Construído e reconstruído permanentemente a partir da existência em um campo orgânico-ambiente, ou seja, por meio de contacto com os outros.
  • Com um sentido de continuidade, ao qual se poderia referir como núcleo da identidade produzido existencialmente, ou seja, por padrões de relacionamentos automatizados adquiridos ao longo da existência (Alvin & Ribeiro, 2005. P 11).

3. Cultura e Concepção do Self

Neto (1998, p.159) afirma que o self é construído através da interacção com a sociedade. Do ponto de vista cultural o nosso sentido de self combina aspectos privados ou internos do indivíduo e os aspectos mais externos, ou seja sociais, identificando-se com diversas culturas ou grupos sociais tais como: grupos políticos, raciais, religiosos e sexuais. Neto, (2008, p.75)

3.1. A importância de um grupo para o sentido do self



Segundo Neto (1998), a teoria da identidade social, sublinha que a pertença grupal é muito importante para o auto-conceito de uma pessoa. A identidade social parte do auto-conceito que advém do facto de ser membro de grupos sociais e da identificação com eles, distingue se da identidade pessoal que é aparte do sentido do self que advém do conhecimento de que faz parte de grupos particulares na sociedade. Alguns destes grupos são escolhidos por si e outros são involuntários.
Muitas vezes o nosso sentido de valor do self esta ligado ao grupo a que pertencemos ou com que nos identificamos. Assim, uma proposição fundamental da teoria da identidade social e a de que os indivíduos procuram manter ou realizar uma identidade social positiva e distintiva. Em primeiro lugar, preocupa-se com que o nosso grupo se possa distinguir de outros grupos, o que nos assegura uma identidade. Em segundo lugar, estamos preocupados com que os nossos grupos sejam avaliados positivamente em relação a outros grupos existentes na sociedade. Para se estabelecer um determinado grupo tem uma identidade social positiva ou negativa, usa se a comparação social intergrupal (consiste em comparar se o estatuto e o respeito desse grupo com outros grupos na sociedade).


3.2. Self Independente e Interdependente



A construção de Self varia de sociedade em sociedade, pois as pessoas acreditam serem moldadas pelas relações sociais em que se envolvem e descrevem-se não tanto em termos de traços duradoiros mas em termos de relações sociais. Neto (2002, p.75)
De acordo com Markus e Kitayama (1991), citados em Neto (2002, p.75), o self na perspectiva cultural divide-se em self independente e o interdependente, de modo que o primeiro é aquele em que as pessoas vê a si mesmas em particular de forma separada e autónoma do meio que este se insere, enquanto que o self interdependente é aquele em que resulta da interacção do indivíduo com o meio no qual ele se insere, ligado aos outros através das percepções dos pensamentos dos sentimentos e das acções dos outros. De acordo com Neto (2002, p.75), as culturas ocidentais promovem o desenvolvimento do self independente, ao passo que as não ocidentais promovem a self interdependente.

3.2 Consequências das duas auto-representações



Markus e Kitayama (1991) citado em Neto (2002, p.76) fazem referência a algumas consequências cognitivas, emocionais e comportamentais que estes dois tipos de self, o independente e o interdependente sugerem nos indivíduos.

3.3 Consequência para a Auto-Percepção



Neto (2002, p.76) faz-nos compreender que dentre os dois tipos de concepção do self estes apresentam diferentes consequências para o modo como os indivíduos fazem a sua auto-percepção, neste ponto de vista os indivíduos com um self independente ao se auto-descreverem fazem referência aos atributos internos como suas capacidades e traços de personalidade, por outro lado os indivíduos com o self interdependentes salientam muito pouco atributos internos, fazendo a sua auto-percepção com base nas percepções dos pensamentos e sentimentos e acções dos outros.
Segundo neto (2002, p.76) Os resultados do estudo realizado em 1992 na Holanda por Van Den Heuvel, Tellegen e Koomen, evidenciaram a influencia que a cultura desempenha na concepção do self, com este estudo estes teóricos trazem-nos a luz a questão das culturas colectivistas e da culturas individualistas onde em conformidade com os resultados deste estudo, crianças de culturas colectivistas (e.g., Turquia) utilizaram afirmações que indicavam a pertença a grupos, actividades sociais quando se auto-descreviam, assim como com para seus colegas, diferente do que aconteceu com crianças de culturas individualistas (e.g.,Holanda) que utilizaram características psicológicas, como traços de personalidade e preferências pessoais em suas auto-descrições assim como de seus colegas.
Este estudo mostra uma das consequências cognitivas do self independente e interdependente, na auto-percepção que o indivíduo faz em detrimento do seu contexto cultural e com este estudo concluiu-se que as consequências das diferenças psicológicas significativas referentes ao self encontradas em indivíduos de culturas individualistas assim como de culturas colectivistas aparecem desde cedo durante o desenvolvimento do indivíduo e continuam a desenvolver-se ao longo do ciclo de vida.


3.4. Consequência para as Conotações das Emoções

Para Kitayama, Markus e Matsumoto, (1995) citado em Neto, (2002, p.78) as emoções são classificadas mediante a independência e a interdependência do self, isto é, os acontecimentos a nível pessoal ou social ditam e classificam as emoções. Assim encontramos:
  • Em indivíduos com self independente as emoções positivas ou que aumentam a estima são despoletadas ao ver seus objectivos concretizados; emoções negativas são despoletadas quando objectivos são bloqueados, salientando e contrastando estes atributos internos com o contexto social relevante, estas emoções tendem a separar ou descomprometer o self dessas relações; à estas emoções os autores denominam de socialmente descomprometidas.
  • Em indivíduos com self interdependente, emoções positivas encorajam laços interpessoais, resultantes de relações íntimas. Emoções negativas motivam a restauração da harmonia na relação, resultante de falta de êxito nas relações íntimas. Tais emoções comprometem o self na relação, aumentando a interdependência com pessoas significativas, estas emoções comprometem o self na relação, aumentando a interdependência; à estas emoções os autores denominam de socialmente comprometidas.
De acordo com os autores todos experienciamos estas emoções, embora com intensidades diferentes; os indivíduos que possuem um self interdependentes têm as emoções socialmente comprometidas mais intensas e internalizadas; os indivíduos que possuem um self independente têm as emoções socialmente descomprometidas mais intensas e internalizadas


3.5 Consequência para a Motivação para a Realização



De acordo com Barros, Barros e Neto (1993) citado em Neto (2002, p.79) as motivações para realizar, afiliar-se ou dominar são características do self interno que orientam os comportamentos mas do ponto de vista de construção interdependentes do self os comportamentos sociais são orientados pelas expectativas dos outros significativos pelas obrigações que se sentem em relação aos outros.
De acordo com Yang (1982) citado em Neto (2002, p.79) existem duas formas de motivação para a realização:
  • Orientada Individualmente (mais comum nos indivíduos de países do Ocidente)
A sua motivação é caracteriza-se pela tendência de orientar-se a realização de objectivos mais individualistas voltados para a próprio;
  • Orientada Socialmente (mais comum nos indivíduos de países não ocidentais)
A sua motivação é caracteriza-se pela tendência de orientar-se a realização de objectivos ligados a outros, orientados pelas expectativas dos outros.


4. Considerações finais



De acordo com os dois tipos de cultura respectivamente: Individualista e Colectivista, o Self é concebido em consequência destes tipos de cultura acima mencionados e da interacção do indivíduo com os outros, pois o indivíduo é um ser social, e neste âmbito para Markus e Kitayama (1991) como citado em Neto (2002, p.76) as diferentes concepções apresentadas durante o trabalho têm consequências cognitivas, emocionais, e motivacionais.
Em conclusão, o ensaio permitiu a uma melhor compreensão da concepção do self em detrimento dos tipos de culturas nomeadamente individualista e colectivistas, estas que contribuem de formas diferentes na criação e desenvolvimento do self dos indivíduos pertencentes às mesmas. Segundo os estudos feitos pelos autores acima destacados nas consequências cognitivas, os indivíduos com um self independente são mais salientes aos atributos internos tais como as suas preferências, desejos e traços de personalidade, enquanto as pessoas com o self interdependente são mais salientes a traços interpessoais, e a sua pertença a grupos ou actividades sociais, ou seja caracterizam-se enquanto inseridos em um determinado contexto social. De acordo com os teóricos Markus e Kitayama (1991) como citado em Neto (2002, p.76) conclui-se que culturas individualistas como as do ocidente promovem o desenvolvimento de um self independente, ao passo que culturas colectivistas como as não ocidentais promovem o desenvolvimento de um self interdependente.


5. Referências Bibliográficas

Alvim, M.B.& Ribeiro, J. P. (2005). Contacto, self e cultura organizacional: uma abordagem gestáltica. Universidade católica do brasil.
Laraia, R. B. (2000).Cultura: Um Conceito Antropológico. Rio de Janeiro.
Neto, F. (1998). Psicologia Cultura, um conceito antropológico Social, vol.1. Lisboa. Universidade Aberta.
Neto, F. (2002). Psicologia Intercultural. Universidade Aberta. Lisboa.
Titiev, M. (1969). Introdução Antropologia Cultural. Lisboa.


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