quinta-feira, 18 de agosto de 2016

Trabalho Infantil

1. Introdução
A maioria das pessoas considera que alguns tipos de trabalho efectuado por crianças não comprometem as suas perspectivas de futuro, sendo, pelo contrário, vistos como parte do seu processo de aprendizagem e de socialização. Porém, existe um consenso geral sobre o facto de que certos tipos de trabalho são prejudiciais para as crianças, destroem a sua infância e põem em causa o seu futuro. Este tipo de trabalho como “trabalho infantil” priva as crianças do seu direito à educação, atrasa o seu desenvolvimento e o dos países onde vivem e reduz as perspectivas de crescerem num ambiente saudável. O presente trabalho é realizado no âmbito da cadeira de Psicologia das inadaptações socias, e visa abordar sobre o tema: Trabalho infantil.
Como objectivo geral pretende-se compreender o conceito de Trabalho Infantil, especificamente, identificar as causas do trabalho infantil; descrever as diferentes formas do trabalho infantil; indicar as consequências do trabalho infantil e elaborar um plano de intervenção para o estudo de caso.
Tendo que se obedecer a seguinte estrutura para a melhor compreensão do tema: definição, magnitude do trabalho infantil no mundo, tipos de trabalho infantil, as piores formas do trabalho infantil, causas e factores do trabalho infantil, consequências, a situação do trabalho infantil em Moçambique, a relevância do estudo nesta disciplina.
Como metodologia para a elaboração do trabalho, recorreu-se à PBL (aprendizagem baseada em problema, ver anexo I), a revisão bibliográfica e a artigos científicos, elaborou-se um estudo de caso e para obtenção dos dados recorreu-se a uma entrevista semiestruturada, bem como uma discussão a nível do grupo.

2. Revisão da literatura

Definição de conceitos
Antes de se desenvolver qualquer tema, é fundamental que se definam os conceitos-chave, para a sua melhor compreensão. Neste sentido, serão definidos os conceitos de criança, menor e trabalho infantil.
Segundo o dicionário online, criança significa menino ou menina que esta no período da infância, entre o nascimento e a puberdade.
De acordo com o artigo 1º da Convenção sobre os Direito da Criança, “criança é todo o ser humano menor de 18 anos, salvo se, nos termos da lei que lhe for aplicável, atingir a maioridade mais cedo” (Santana, s/d).
O artigo 122º do Código Civil converge com o que é dito no artigo 1º da Convenção sobre os Direito da Criança, dizendo “é menor quem ainda não tiver ainda completado dezoito anos de idade” (Santana, s/d).
Segundo a Organização Internacional do trabalho (OIT), trabalho infantil, seria toda actividade económica realizada por pessoas abaixo da idade mínima requerida pela legislação nacional para incorporar-se a um emprego ou por menores de 18 anos e que interfira em sua escolarização, se realize em ambientes perigosos ou que ocorra em situações que afectam o seu desenvolvimento psicológico, físico e moral, imediato ou futuro.

2.2. Magnitude do Trabalho Infantil no Mundo

Desde os tempos antigos, já se tem conhecimento da exploração de menores, sendo que esta prática acontecia e ainda acontece no mundo (Cassol & Porto, s/d). Devido a crueldade manifesta desde os tempos antigos, houve a 2000 anos antes de Cristo o Código de Hamurabi, para a protecção de crianças e adolescentes.
Grandes eventos na história, tais como a revolução industrial, foram fontes de exploração de infantis como mão-de-obra barata. Aliás, como salientam Cassol e Porto (S/d) “o trabalho infantil é realizado em lugares perigosos, insalubres, penosos e prejudiciais a sua formação e desenvolvimento físico e psíquico, moral e social”.
Segundo a UNICEF, aproximadamente 158 milhões de crianças entre 5 e 14 anos estão envolvidas em trabalho infantil – isto é, uma em cada seis crianças no mundo inteiro.
Milhões de crianças estão envolvidas em situações de trabalho perigosos, tais como trabalho em minas, trabalho com produtos químicos e pesticidas na agricultura ou trabalho com máquinas/equipamentos perigosos.
Na África Sub-Sahariana uma em cada três crianças está a trabalhar, isto é aproximadamente 69 milhões de crianças. No Sul da Ásia são mais de 44 milhões de crianças envolvidas no trabalho infantil (UNICEF).
Nem todos os trabalhos desenvolvidos por crianças devem ser classificados como trabalho infantil. Há tarefas que podem ser realizadas por crianças. A participação dos adolescentes no trabalho que não afecta a sua saúde e desenvolvimento pessoal ou interfere com a sua escolaridade é geralmente considerado como sendo algo positivo, por exemplos, ajudar os pais em tarefas de casa (UNICEF).
De acordo com a UNICEF existem critérios a ter em conta para considerar-se "trabalho infantil":
  • Idade da criança;
  • Tipo e horas de trabalho realizado;
  • Condições em que este se processa;
  • Objectivos prosseguidos por cada país.

2.3. Tipos de trabalho infantil

A questão dos tipos de trabalho infantil não esta muito clarificada na literatura, desta forma, muitos autores abordam mais sobre formas de trabalho infantil ao invés de tipos.
Santana (s/d), apresenta como tipos de trabalho infantil o trabalho prejudicial, difícil de definir pelo seu carácter ambíguo, isto é, a partir de que idade e de que intensidade é considerado prejudicial, e o trabalho leve aquele que deve ter uma baixa carga horária e pouco exigente em termos do esforço, fadiga física e intelectual e de responsabilidade.
Em contrapartida, ANDI (2007), apresenta-nos o trabalho penoso como sendo aquele que provoca desgaste físico e/ou psicológico. Exemplo: aquele que demanda o emprego da força muscular acima da capacidade física, ou exercido em carga horária excessiva. Na acepção da palavra, “penoso” significa o que causa sofrimento, desconforto e dor.
Guterres (2009) citando Costa (1996), por sua vez, fala-nos do trabalho infantil doméstico que caracteriza-se como “aquele que é realizado por crianças e adolescentes, fora de suas casas e dentro da casa de terceiros, que tem sido executado em troca de um salário ínfimo ou de uma promessa de roupa, escola e alimentação”.
A UNICEF não nos apresenta os tipos mas sim as piores formas de trabalho que se seguem:
  • Crianças sujeitas a escravidão tais como, venda e tráfico, pagamento de dívidas e servidão e trabalho forçado incluindo o recrutamento forçado ou obrigatório de crianças para uso em conflitos armados;
  • Uso, licitação ou oferta de crianças para prostituição, para a produção de material pornográfico ou para actividades pornográficas;
  • Uso, licitação ou oferta de crianças para actividades ilícitas, em particular para a produção e tráfico de drogas
  • Todos os outros trabalhos que, pela sua natureza ou circunstâncias em que se realiza, é susceptível de prejudicar a saúde, segurança e moral das crianças, deixá-las expostas a riscos e doenças graves ou expostas ao perigo das ruas das grandes cidades -muitas vezes numa idade muito precoce.

2.4. Causas e factores do trabalho infantil

As causas do trabalho infantil podem derivar de diferentes factores, sendo a pobreza a causa mais evidente. De acordo com a UNESCO (2010) podem-se destacar como causas ou factores a pobreza e a desigualdade social, os aspectos culturais da dignificação do trabalho e a tradição, o baixo índice educacional, a forma de produção capitalista e as políticas governamentais e até crenças e mitos que são transmitidos no quotidiano.
Assim, são inúmeros casos em que as crianças são obrigadas a ingressar no trabalho como forma ajudar no sustento da família devido as altos índices de pobreza. No que diz respeito as políticas que regulem as actividades laborais infantis acabam influenciando na perpetuação do trabalho infantil, pois os próprios praticantes do mesmo saem impunes.

2.5. Consequências

Quando se fala de trabalho infantil sabe-se em muitos casos que este decorre em lugares perigosos, insalubres, penosos e prejudiciais à formação e desenvolvimento físico e psíquico, moral e social da criança. Deste modo, considerando a fase de desenvolvimento em que estas crianças se encontram, são susceptíveis em adquirir sequelas que poderão acompanha-las por toda a vida.
As sequelas deixadas pelo trabalho infantil podem ser verificáveis ao nível biológico, psicológico e social. Algumas das consequências que se podem mencionar são:
  • Problemas de saúde física e desenvolvimento físico que podem ser resultado das más condições de trabalho;
  • Destruição de sonhos, o lúdico, e as relações sociais indispensáveis ao desenvolvimento do ser humano, visto que estas não têm tempo para brincar como seria de se esperar no desenvolvimento normal;
  • Consequências educacionais, sociais, económicos, políticas e ainda os efeitos directos sobre o desenvolvimento do próprio indivíduo, pois quando não se tem oportunidade de educação, tais problemas alastram-se noutros domínios de vida do individuo;
  • O aumento da infrequência escolar, pois as longas jornadas de trabalho e o cansaço físico das crianças e adolescentes contribuem para o insucesso escolar.

3. Situação do trabalho infantil em Moçambique

O trabalho infantil é uma realidade em Moçambique. Muitas crianças são contratadas ou “emprestadas” para trabalhar seja em casas ou na rua. Em casa, são na sua maioria meninas que cuidam de bebés ou crianças iguais. São maioritariamente levadas do campo para a cidade, com a promessa de poder estudar e ganhar algo. Muitas das vezes elas acabam não estudando, pois a tarefa de babá é exigente e precisa da presença quase permanente.
Os meninos, na sua maioria trabalham na rua, vendendo ou revendendo pequenos produtos. O salário que recebem é quase irrisório.
Segundo o Relatório Sobre o Trabalho Infantil em Moçambique, Inquérito Integrado à Força de Trabalho em Moçambique a situação é grave e alarmante. Cerca de 22.2% de crianças entre Os 5-14 anos, estão envolvidas em trabalho Infantil de um universo de 10,6 milhões de crianças, essas crianças estão a trabalhar na agricultura, pecuária, caça e pesca e 15% dessas crianças já contraíram ferimento ou lesão no seu local de trabalho, principalmente na agricultura. Os motivos principais que levam essas crianças ao trabalho são a pobreza e a necessidade de aumentar o rendimento familiar (UNICEF).
Existe uma grande disparidade entre as zonas urbanas e as rurais (15 por cento e 25 por cento, respectivamente). A proporção de crianças envolvidas em trabalho infantil também varia de acordo com a idade da criança: uma em cada cinco de 5 a 11 anos de idade está envolvida em trabalho infantil, chegando a uma em cada quatro, as crianças com 12 a 14 anos. A prevalência de trabalho infantil é ligeiramente maior nas meninas (24 por cento) que nos rapazes (21 por cento). Além disso, as meninas trabalham mais que os rapazes apoiando as tarefas domésticas (8 por cento contra 5 por cento, respectivamente). A percentagem de crianças que trabalham para apoiar negócios familiares é a mesma para ambos os sexos (16%). Cerca de 86% das crianças que trabalham em áreas urbanas também frequentam a escola, em comparação com 76 por cento nas zonas rurais. Quase 30 por cento dos estudantes das zonas rurais estão envolvidos em algum tipo de trabalho infantil, antes ou depois das aulas (INE, 2010).

4. Estudo de Caso, Discussão e análise

Após saber a situação de Moçambique, optou-se por trazer um estudo de caso como forma de reflectir aquilo que se vivencia em Moçambique. Desta forma, apresentamos o caso (veja os dados do caso em anexo II) de Delto Mombassa Júnior (nome fiticio), um menino de 11 anos de idade, residente no bairro Polana Caniço B, que perdeu o pai aos 7 anos e sua mãe aos 9 anos (vitimas de HIV). Desde então, vive com a avó de 58 anos de idade. Após a morte da mãe, ele se viu obrigado a trabalhar nas ruas, para ajudar a sua avó nas despesas da casa, e para sustentar os seus estudos.
Percebe-se que o caso de Delto não foge da realidade moçambicana, pois uma das causas que o levou a trabalhar ainda criança, foi a necessidade de aumentar o rendimento familiar.
Nota-se que, ele abre mão da sua infância para ajudar na sobrevivência da família, em contrapartida INDI (2007) alega que é a família que deve amparar a criança e não o contrário. Quando a família se torna incapaz de cumprir essa obrigação, cabe ao Estado apoiá-la, não à criança. O custo de alçar uma criança ao papel de “arrimo de família” é expô-la a danos físicos, intelectuais e emocionais. É inaceitável, não só para as crianças como para o conjunto da sociedade, pois, ao privá-las de uma infância digna, de escola e preparação profissional, se reduz a capacidade dos recursos humanos que poderiam impulsionar o desenvolvimento do país no futuro.
Delto diz que consegue conciliar o trabalho e a escola, embora não seja tarefa fácil, pois nem sempre consegue tempo para revisar a matéria o que faz com que tenha notas baixas. Entre as crianças que trabalham é comprovado que existe maior incidência de repetência e abandono da escola. O trabalho precoce interfere negativamente na escolarização das crianças, seja provocando múltiplas repetências, seja “empurrando-as”, de forma subliminar, para fora da escola. Portanto, Delto corre o risco de abandonar a escola um dia.
Ele afirma ainda que, faz esse trabalho com gosto, pois sente que esta a ajudar a avó a qual ele é muito grato, por ter cuidado da mãe quando doente, por ter sido ela quem o acolheu apos ficar órfão e por ela ter dito que se ele trabalhasse seria um grande homem no futuro.
O trabalho precoce nunca foi estágio necessário para uma vida bem-sucedida. Ele não qualifica e, portanto, é ineficaz como mecanismo de promoção social.
Veja o plano de intervenção em anexo III.

5. Importância do estudo do tema

O ser humano no ambiente social moderno, deve passar por várias tarefas evolutivas de forma harmoniosa, tais como o crescimento saudável, a educação, socialização entre outros. Estas tarefas evolutivas são comprometidas pelo trabalho infantil, pondo consequentemente em risco o futuro da criança, em termos de emprego, saúde física e mental.
É pertinente abordar sobre este tema na Cadeira de Psicologia das inadaptações sociais para futuros profissionais em Psicologia, porque os auxiliará na sua actuação, na medida em que, perante casos de trabalho infantil, serão capazes de compreender os diversos factores que influenciam neste processo, podendo, assim, actuar sobre, por exemplo, as visões enraizadas e argumentos que são usados para “justificar” essa prática; poderão actuar de modo a tornar a sociedade mais consciente dos direitos da criança e de formas de erradicar o trabalho infantil.
Assim, em vários casos o trabalho infantil pode ser um factor de risco no desencadeamento de condutas inadaptadas socialmente. Nestas situações, o psicólogo é convidado a intervir, com o papel remediador devido ao mal já instalado em determinados indivíduos.
Porém a intervenção de um psicólogo não só terá carácter de remediação, pois mais fácil é prevenir. Assim, a intervenção pode ser efectuada desde o processo de influenciar na criação de políticas que limitem o trabalho infantil, melhoria de acessos a educação, entre outros aspectos que a longo prazo poderão contribuir para a maior probabilidade de se ter indivíduos adaptados.

6. Conclusão

Findo o trabalho pode-se concluir que, o trabalho infantil é uma triste realidade a nível mundial assim como nacional. Vale lembrar que o trabalho, de forma geral, não é opção da criança, seu exercício costuma ser movido por força da necessidade financeira e de sobrevivência.
Muitas vezes, o trabalho infantil é clandestino e feito em contractos directos com os familiares, o que torna difícil a aplicação da legislação.
A vulnerabilidade multifacetada a que os citadinos se encontram deixa muitas crianças órfãs e desprotegidas e porque as famílias-substitutas dificilmente conseguem sustentar as necessidades básicas das crianças, essas vem-se na contingência de trabalharem apenas para garantir o pão de cada dia. É nesse ambiente que o trabalho infantil opera nas cidades capitais das províncias de Moçambique.
É papel do psicólogo trabalhar com a sociedade, de modo a sensibilizá-la das consequências inerentes ao trabalho infantil, para que esta deixe de olhar para este mal como algo normal mas sim como um problema que precisa ser resolvido com o envolvimento de todos.

7. Referencias Bibliográficas

  1. Cassol, S. & Porto, R.T. C. (s/d). A problemática do trabalho infantil: a realidade brasileira frente aos mecanismos de prevenção e sua erradição através de políticas públicas para o desenvolvimento sustentável. Pdf
  2. Dicio, Dicionário online de português. (2016). Significado de criança. Disponível em: www.dicio.com.br/crianca
  3. Guterres, M. S. (2009). Trabalho Infantil Doméstico: Não deixe entrar na sua casa. São Luís: MA
  4. INDI, Agência de Notícias dos Direitos da Infância (2007). Piores Formas de Trabalho Infantil: Um guia para jornalistas. Brasília, pdf
  5. Instituto Nacional de Estatística [INE], (2010), Inquérito de Indicadores Múltiplos, Governo de Moçambique, Maputo.
  6. Organização Internacional do Trabalho [OIT], (2009). Respostas Politicas e Legislativas modernas ao trabalho infantil. Portugal
  7. Santana, P. D. C. (s/d). Combate ao trabalho infantil. Faculdade de Economia, Universidade de Coimbra
  8. Silva, S,V,M. (2009). Trabalho infantil: Aspectos socias, histórico e legais: Brasil. Acesso em 1 de Agosto de 2014 em: http/:www.revista.seune.edu.br/índex.php/op/atcle.6/6.
  9. UNICEF, Direitos das Crianças: Trabalho Infantil, in http://www.unicef.org/mozambique/protection.html.
  10. UNESCO. (2010). Causas, mitos e consequências do trabalho infantil no brasil. Brasil: Artigos relacionados. Acesso em 3 de Agosto de 2014 em: http//:www.periodicos.unesc.net/índex.php/…/182.

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