1.
Introdução
A
maioria das pessoas considera que alguns tipos de trabalho efectuado
por crianças não comprometem as suas perspectivas de futuro, sendo,
pelo contrário, vistos como parte do seu processo de aprendizagem e
de socialização. Porém, existe um consenso geral sobre o facto de
que certos tipos de trabalho são prejudiciais para as crianças,
destroem a sua infância e põem em causa o seu futuro. Este tipo de
trabalho como “trabalho infantil” priva as crianças do seu
direito à educação, atrasa o seu desenvolvimento e o dos países
onde vivem e reduz as perspectivas de crescerem num ambiente
saudável. O presente trabalho é realizado no âmbito da cadeira de
Psicologia das inadaptações socias, e visa abordar sobre o tema:
Trabalho infantil.
Como
objectivo geral pretende-se compreender
o conceito de Trabalho Infantil,
especificamente, identificar
as causas do trabalho infantil;
descrever
as diferentes formas do trabalho infantil; indicar as consequências
do trabalho infantil e elaborar um plano de intervenção para o
estudo de caso.
Tendo
que se obedecer a seguinte estrutura para a melhor compreensão do
tema: definição, magnitude
do trabalho infantil no mundo,
tipos
de trabalho infantil, as piores formas do trabalho infantil, causas e
factores do trabalho infantil, consequências, a situação do
trabalho infantil em Moçambique, a relevância do estudo nesta
disciplina.
Como
metodologia para a elaboração do trabalho, recorreu-se à PBL
(aprendizagem baseada em problema, ver anexo I), a revisão
bibliográfica e a artigos científicos, elaborou-se um estudo de
caso e para obtenção dos dados recorreu-se a uma entrevista
semiestruturada, bem como uma discussão a nível do grupo.
2. Revisão da literatura
Definição
de conceitos
Antes
de se desenvolver qualquer tema, é fundamental que se definam os
conceitos-chave, para a sua melhor compreensão. Neste sentido, serão
definidos os conceitos de criança, menor e trabalho infantil.
Segundo
o dicionário online,
criança
significa menino ou menina que esta no período da infância, entre o
nascimento e a puberdade.
De
acordo com o artigo 1º da Convenção sobre os Direito da Criança,
“criança
é todo o ser humano menor de 18 anos, salvo se, nos termos da lei
que lhe for aplicável, atingir a maioridade mais cedo” (Santana,
s/d).
O
artigo 122º do Código Civil converge com o que é dito no artigo 1º
da Convenção sobre os Direito da Criança, dizendo “é menor quem
ainda não tiver ainda completado dezoito anos de idade” (Santana,
s/d).
Segundo
a Organização Internacional do trabalho (OIT), trabalho
infantil,
seria toda actividade económica realizada por pessoas abaixo da
idade mínima requerida pela legislação nacional para incorporar-se
a um emprego ou por menores de 18 anos e que interfira em sua
escolarização, se realize em ambientes perigosos ou que ocorra em
situações que afectam o seu desenvolvimento psicológico, físico e
moral, imediato ou futuro.
2.2. Magnitude do Trabalho Infantil no Mundo
Desde
os tempos antigos, já se tem conhecimento da exploração de
menores, sendo que esta prática acontecia e ainda acontece no mundo
(Cassol & Porto, s/d). Devido a crueldade manifesta desde os
tempos antigos, houve a 2000 anos antes de Cristo o Código de
Hamurabi, para a protecção de crianças e adolescentes.
Grandes
eventos na história, tais como a revolução industrial, foram
fontes de exploração de infantis como mão-de-obra barata. Aliás,
como salientam Cassol e Porto (S/d) “o trabalho infantil é
realizado em lugares perigosos, insalubres, penosos e prejudiciais a
sua formação e desenvolvimento físico e psíquico, moral e
social”.
Segundo
a UNICEF, aproximadamente 158 milhões de crianças entre 5 e 14 anos
estão envolvidas em trabalho infantil – isto é, uma em cada seis
crianças no mundo inteiro.
Milhões
de crianças estão envolvidas em situações de trabalho perigosos,
tais como trabalho em minas, trabalho com produtos químicos e
pesticidas na agricultura ou trabalho com máquinas/equipamentos
perigosos.
Na
África Sub-Sahariana uma em cada três crianças está a trabalhar,
isto é aproximadamente 69 milhões de crianças. No Sul da Ásia são
mais de 44 milhões de crianças envolvidas no trabalho infantil
(UNICEF).
Nem
todos os trabalhos desenvolvidos por crianças devem ser
classificados como trabalho infantil. Há tarefas que podem ser
realizadas por crianças. A participação dos adolescentes no
trabalho que não afecta a sua saúde e desenvolvimento pessoal ou
interfere com a sua escolaridade é geralmente considerado como sendo
algo positivo, por exemplos, ajudar os pais em tarefas de casa
(UNICEF).
De
acordo com a UNICEF existem critérios a ter em conta para
considerar-se "trabalho infantil":
- Idade da criança;
- Tipo e horas de trabalho realizado;
- Condições em que este se processa;
- Objectivos prosseguidos por cada país.
2.3. Tipos de trabalho infantil
A
questão dos tipos de trabalho infantil não esta muito clarificada
na literatura, desta forma, muitos autores abordam mais sobre formas
de trabalho infantil ao invés de tipos.
Santana
(s/d), apresenta como tipos de trabalho infantil o trabalho
prejudicial,
difícil de definir pelo seu carácter ambíguo, isto é, a partir de
que idade e de que intensidade é considerado prejudicial, e o
trabalho
leve
aquele que deve ter uma baixa carga horária e pouco exigente em
termos do esforço, fadiga física e intelectual e de
responsabilidade.
Em
contrapartida, ANDI (2007), apresenta-nos o trabalho
penoso
como sendo aquele que provoca desgaste físico e/ou psicológico.
Exemplo: aquele que demanda o emprego da força muscular acima da
capacidade física, ou exercido em carga horária excessiva. Na
acepção da palavra, “penoso” significa o que causa sofrimento,
desconforto e dor.
Guterres
(2009) citando Costa (1996), por sua vez, fala-nos do trabalho
infantil
doméstico que caracteriza-se como “aquele que é realizado por
crianças e adolescentes, fora de suas casas e dentro da casa de
terceiros, que tem sido executado em troca de um salário ínfimo ou
de uma promessa de roupa, escola e alimentação”.
A
UNICEF não nos apresenta os tipos mas sim as piores formas de
trabalho que se seguem:
- Crianças sujeitas a escravidão tais como, venda e tráfico, pagamento de dívidas e servidão e trabalho forçado incluindo o recrutamento forçado ou obrigatório de crianças para uso em conflitos armados;
- Uso, licitação ou oferta de crianças para prostituição, para a produção de material pornográfico ou para actividades pornográficas;
- Uso, licitação ou oferta de crianças para actividades ilícitas, em particular para a produção e tráfico de drogas
- Todos os outros trabalhos que, pela sua natureza ou circunstâncias em que se realiza, é susceptível de prejudicar a saúde, segurança e moral das crianças, deixá-las expostas a riscos e doenças graves ou expostas ao perigo das ruas das grandes cidades -muitas vezes numa idade muito precoce.
2.4. Causas e factores do trabalho infantil
As
causas do trabalho infantil podem derivar de diferentes factores,
sendo a pobreza a causa mais evidente. De acordo com a UNESCO (2010)
podem-se destacar como causas ou factores a pobreza e a desigualdade
social, os aspectos culturais da dignificação do trabalho e a
tradição, o baixo índice educacional, a forma de produção
capitalista e as políticas governamentais e até crenças e mitos
que são transmitidos no quotidiano.
Assim,
são inúmeros casos em que as crianças são obrigadas a ingressar
no trabalho como forma ajudar no sustento da família devido as altos
índices de pobreza. No que diz respeito as políticas que regulem as
actividades laborais infantis acabam influenciando na perpetuação
do trabalho infantil, pois os próprios praticantes do mesmo saem
impunes.
2.5. Consequências
Quando
se fala de trabalho infantil sabe-se em muitos casos que este decorre
em lugares perigosos, insalubres, penosos e prejudiciais à formação
e desenvolvimento físico e psíquico, moral e social da criança.
Deste modo, considerando a fase de desenvolvimento em que estas
crianças se encontram, são susceptíveis em adquirir sequelas que
poderão acompanha-las por toda a vida.
As
sequelas deixadas pelo trabalho infantil podem ser verificáveis ao
nível biológico, psicológico e social. Algumas das consequências
que se podem mencionar são:
- Problemas de saúde física e desenvolvimento físico que podem ser resultado das más condições de trabalho;
- Destruição de sonhos, o lúdico, e as relações sociais indispensáveis ao desenvolvimento do ser humano, visto que estas não têm tempo para brincar como seria de se esperar no desenvolvimento normal;
- Consequências educacionais, sociais, económicos, políticas e ainda os efeitos directos sobre o desenvolvimento do próprio indivíduo, pois quando não se tem oportunidade de educação, tais problemas alastram-se noutros domínios de vida do individuo;
- O aumento da infrequência escolar, pois as longas jornadas de trabalho e o cansaço físico das crianças e adolescentes contribuem para o insucesso escolar.
3. Situação do trabalho infantil em Moçambique
O
trabalho infantil é uma realidade em Moçambique. Muitas crianças
são contratadas ou “emprestadas” para trabalhar seja em casas ou
na rua. Em casa, são na sua maioria meninas que cuidam de bebés ou
crianças iguais. São maioritariamente levadas do campo para a
cidade, com a promessa de poder estudar e ganhar algo. Muitas das
vezes elas acabam não estudando, pois a tarefa de babá é exigente
e precisa da presença quase permanente.
Os
meninos, na sua maioria trabalham na rua, vendendo ou revendendo
pequenos produtos. O salário que recebem é quase irrisório.
Segundo
o Relatório Sobre o Trabalho Infantil em Moçambique, Inquérito
Integrado à Força de Trabalho em Moçambique a situação é grave
e alarmante. Cerca de 22.2% de crianças entre Os 5-14 anos, estão
envolvidas em trabalho Infantil de um universo de 10,6 milhões de
crianças, essas crianças estão a trabalhar na agricultura,
pecuária, caça e pesca e 15% dessas crianças já contraíram
ferimento ou lesão no seu local de trabalho, principalmente na
agricultura. Os motivos principais que levam essas crianças ao
trabalho são a pobreza e a necessidade de aumentar o rendimento
familiar (UNICEF).
Existe
uma grande disparidade entre as zonas urbanas e as rurais (15 por
cento e 25 por cento, respectivamente). A proporção de crianças
envolvidas em trabalho infantil também varia de acordo com a idade
da criança: uma em cada cinco de 5 a 11 anos de idade está
envolvida em trabalho infantil, chegando a uma em cada quatro, as
crianças com 12 a 14 anos. A prevalência de trabalho infantil é
ligeiramente maior nas meninas (24 por cento) que nos rapazes (21 por
cento). Além disso, as meninas trabalham mais que os rapazes
apoiando as tarefas domésticas (8 por cento contra 5 por cento,
respectivamente). A percentagem de crianças que trabalham para
apoiar negócios familiares é a mesma para ambos os sexos (16%).
Cerca de 86% das crianças que trabalham em áreas urbanas também
frequentam a escola, em comparação com 76 por cento nas zonas
rurais. Quase 30 por cento dos estudantes das zonas rurais estão
envolvidos em algum tipo de trabalho infantil, antes ou depois das
aulas (INE, 2010).
4. Estudo de Caso, Discussão e análise
Após
saber a situação de Moçambique, optou-se por trazer um estudo de
caso como forma de reflectir aquilo que se vivencia em Moçambique.
Desta forma, apresentamos o caso (veja os dados do caso em anexo II)
de Delto Mombassa Júnior (nome fiticio), um menino de 11 anos de
idade, residente no bairro Polana Caniço B, que perdeu o pai aos 7
anos e sua mãe aos 9 anos (vitimas de HIV). Desde então, vive com a
avó de 58 anos de idade. Após a morte da mãe, ele se viu obrigado
a trabalhar nas ruas, para ajudar a sua avó nas despesas da casa, e
para sustentar os seus estudos.
Percebe-se
que o caso de Delto não foge da realidade moçambicana, pois uma das
causas que o levou a trabalhar ainda criança, foi a necessidade
de aumentar o rendimento familiar.
Nota-se
que, ele abre mão da sua infância para ajudar na sobrevivência da
família, em contrapartida INDI (2007) alega que é a família que
deve amparar a criança e não o contrário. Quando a família se
torna incapaz de cumprir essa obrigação, cabe ao Estado apoiá-la,
não à criança. O custo de alçar uma criança ao papel de “arrimo
de família” é expô-la a danos físicos, intelectuais e
emocionais. É inaceitável, não só para as crianças como para o
conjunto da sociedade, pois, ao privá-las de uma infância digna, de
escola e preparação profissional, se reduz a capacidade dos
recursos humanos que poderiam impulsionar o desenvolvimento do país
no futuro.
Delto
diz que consegue conciliar o trabalho e a escola, embora não seja
tarefa fácil, pois nem sempre consegue tempo para revisar a matéria
o que faz com que tenha notas baixas. Entre as crianças que
trabalham é comprovado que existe maior incidência de repetência e
abandono da escola. O trabalho precoce interfere negativamente na
escolarização das crianças, seja provocando múltiplas
repetências, seja “empurrando-as”, de forma subliminar, para
fora da escola. Portanto, Delto corre o risco de abandonar a escola
um dia.
Ele
afirma ainda que, faz esse trabalho com gosto, pois sente que esta a
ajudar a avó a qual ele é muito grato, por ter cuidado da mãe
quando doente, por ter sido ela quem o acolheu apos ficar órfão e
por ela ter dito que se ele trabalhasse seria um grande homem no
futuro.
O
trabalho precoce nunca foi estágio necessário para uma vida
bem-sucedida. Ele não qualifica e, portanto, é ineficaz como
mecanismo de promoção social.
Veja
o plano de intervenção em anexo III.
5. Importância do estudo do tema
O
ser humano no ambiente social moderno, deve passar por várias
tarefas evolutivas de forma harmoniosa, tais como o crescimento
saudável, a educação, socialização entre outros. Estas tarefas
evolutivas são comprometidas pelo trabalho infantil, pondo
consequentemente em risco o futuro da criança, em termos de emprego,
saúde física e mental.
É
pertinente
abordar
sobre este tema
na Cadeira de Psicologia das inadaptações sociais para futuros
profissionais em Psicologia, porque os auxiliará na sua actuação,
na medida em que, perante casos de trabalho infantil, serão capazes
de compreender os diversos factores que influenciam neste processo,
podendo, assim, actuar sobre, por exemplo, as visões enraizadas e
argumentos que são usados para “justificar” essa prática;
poderão actuar de modo a tornar a sociedade mais consciente dos
direitos da criança e de formas de erradicar o trabalho infantil.
Assim,
em vários casos o trabalho infantil pode ser um factor de risco no
desencadeamento de condutas inadaptadas socialmente. Nestas
situações, o psicólogo é convidado a intervir, com o papel
remediador devido ao mal já instalado em determinados indivíduos.
Porém
a intervenção de um psicólogo não só terá carácter de
remediação, pois mais fácil é prevenir. Assim, a intervenção
pode ser efectuada desde o processo de influenciar na criação de
políticas que limitem o trabalho infantil, melhoria de acessos a
educação, entre outros aspectos que a longo prazo poderão
contribuir para a maior probabilidade de se ter indivíduos
adaptados.
6. Conclusão
Findo
o trabalho pode-se concluir que, o trabalho infantil é uma triste
realidade a nível mundial assim como nacional. Vale lembrar que o
trabalho, de forma geral, não é opção da criança, seu exercício
costuma ser movido por força da necessidade financeira e de
sobrevivência.
Muitas
vezes, o trabalho infantil é clandestino e feito em contractos
directos com os familiares, o que torna difícil a aplicação da
legislação.
A
vulnerabilidade multifacetada a que os citadinos se encontram deixa
muitas crianças órfãs e desprotegidas e porque as
famílias-substitutas dificilmente conseguem sustentar as
necessidades básicas das crianças, essas vem-se na contingência de
trabalharem apenas para garantir o pão de cada dia. É nesse
ambiente que o trabalho infantil opera nas cidades capitais das
províncias de Moçambique.
É
papel do psicólogo trabalhar com a sociedade, de modo a
sensibilizá-la das consequências inerentes ao trabalho infantil,
para que esta deixe de olhar para este mal como algo normal mas sim
como um problema que precisa ser resolvido com o envolvimento de
todos.
7. Referencias Bibliográficas
- Cassol, S. & Porto, R.T. C. (s/d). A problemática do trabalho infantil: a realidade brasileira frente aos mecanismos de prevenção e sua erradição através de políticas públicas para o desenvolvimento sustentável. Pdf
- Dicio, Dicionário online de português. (2016). Significado de criança. Disponível em: www.dicio.com.br/crianca
- Guterres, M. S. (2009). Trabalho Infantil Doméstico: Não deixe entrar na sua casa. São Luís: MA
- INDI, Agência de Notícias dos Direitos da Infância (2007). Piores Formas de Trabalho Infantil: Um guia para jornalistas. Brasília, pdf
- Instituto Nacional de Estatística [INE], (2010), Inquérito de Indicadores Múltiplos, Governo de Moçambique, Maputo.
- Organização Internacional do Trabalho [OIT], (2009). Respostas Politicas e Legislativas modernas ao trabalho infantil. Portugal
- Santana, P. D. C. (s/d). Combate ao trabalho infantil. Faculdade de Economia, Universidade de Coimbra
- Silva, S,V,M. (2009). Trabalho infantil: Aspectos socias, histórico e legais: Brasil. Acesso em 1 de Agosto de 2014 em: http/:www.revista.seune.edu.br/índex.php/op/atcle.6/6.
- UNICEF, Direitos das Crianças: Trabalho Infantil, in http://www.unicef.org/mozambique/protection.html.
- UNESCO. (2010). Causas, mitos e consequências do trabalho infantil no brasil. Brasil: Artigos relacionados. Acesso em 3 de Agosto de 2014 em: http//:www.periodicos.unesc.net/índex.php/…/182.
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